Olá a todos!
Hoje quando procurávamos novos blogues para ler, descobrimos um blogue que deve ter sido feito muito recentemente mas que já tem uma parte de uma história que nos parece ser muito interessante e prometedora, pelo que achamos que deveríamos divulga-lo, também para ajudar quem o está o escrever.
Leiam a história, parece-nos ser super interessante. E se gostarem continuem a segui-la e divulguem-na.
http://misteriosemhc.blogspot.pt/
PS. Somos as duas grandes fãs da série Pretty Little Liars e a historia do blogue baseia-se muito nisso! Ainda para mais o protagonista é este pedaço de mau caminho aqui :p
Beijinhos para todas *
sábado, 7 de julho de 2012
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Capítulo DOIS
A
polícia chegou ao local breves minutos depois do sucedido. Miguel explicou tudo
o que tinha acontecido, tentando não descurar nada que lhe parecesse importante
para facilitar a ação policial. Leonor mantinha-se à margem dos acontecimentos,
de braços cruzados, encostada à parede de esquina, esperando o desenrolar da
conversação entre Miguel e os polícias. Tinha apanhado um susto de morte mas
não quis deixar Miguel naquele estado: embora não o conhecesse, notava-se a
léguas a estima que ele tinha pelo seu carro, agora com o capô todo destruído,
sendo que ainda era uma incógnita se poderia haver arranjo possível. Um aperto
de mão trocado entre o rapaz e os dois oficiais deu a entender que a conversa
estava terminada e que eles poderiam finalmente seguir o seu caminho, Leonor
para ir dormir, esquecer as complicações daquela noite e Miguel para ir
lamentar o que tinha acontecido com o seu carro, que ele tanto prezava –
aquela iria ser uma noite perdida para ele.
-
Então? – Leonor aproximou-se ao ver os polícias
afastarem-se, mantendo os braços cruzados.
Miguel
suspirou. Foi um suspiro pesaroso, como se não houvesse nada que pudesse ser
dito.
-
O reboque vem cá buscar o carro e amanhã vou à oficina saber se há alguma coisa
que possa ser feita – Jogou as mãos à cabeça, numa clara evidência
de desalento.
-
E em relação à polícia? O que é que disseram?
-
Disseram que iam tentar descobrir alguma coisa mas tendo em conta que não vimos
a matrícula nem temos qualquer pista que identifique o carro, o trabalho deles
fica bastante condicionado.
Leonor
anuiu, já à espera que aquela fosse a resposta.
-
Ou seja, basicamente disseram que não há nada que possam fazer…
- Ela começou a baixar o tom de voz ao perceber que aquela síntese
interpretativa poderia afetar ainda mais Miguel, que já não estava num bom
estado.
-
Pois… Não sei – Procurou a berma do
passeio e sentou-se lá, enterrando a cara nas mãos suadas.
Naquele
momento, Leonor não sabia o que fazer. O pior tinha sido os danos materiais já
que ambos estavam em bom estado, sem ferimentos nenhuns, pelo menos que fossem
evidentes.
-
Não achas que é melhor irmos ao hospital? – Leonor sentou-se
junto dele – Bateste com a cabeça no volante, podes ter
alguma coisa.
-
Se eu tivesse alguma coisa eu notava, não achas?
Os
seus olhares cruzaram-se: Miguel olhou-a pesaroso, repleto de desânimo no olhar
e aquela intensidade perturbou Leonor, que percebeu imediatamente que nada
poderia ser feito para atenuar aquela mágoa.
-
E agora? – Ela desviou o olhar, olhando em frente, para
o passeio deserto onde apenas se destacava um sinal de trânsito que não era
perceptível daquele ângulo – Como vais para casa? Moras aqui em Lisboa?
-
Moro no Seixal! – Ele tirou o telemóvel do bolso, tomando
iniciativa de fazer uma chamada – Agora só tenho transportes de madrugada e
amanhã tenho treino de manhã – Procurou na sua lista telefónica o número de
João – Vou ligar para eles para me virem buscar! –
Iniciou a chamada telefónica e voltou a encarar Leonor – Podes ir para casa,
não precisas de ficar aqui.
Leonor
ia dizer-lhe que queria ficar pelo menos até ter novidades, até saber que o
iriam buscar e que ele ficaria bem mas foi interrompida por ele, que foi
atendido pelo amigo e que se afastou dali, dirigindo-se ao outro lado da rua
onde estava o tal sinal de trânsito. Não conseguiu perceber que tipo de
conversa estavam a ter mas tomou como quase certeza o facto de ele ter alguém
com quem falar e só por isso já alguma coisa havia de se arranjar. Pretendia
acenar-lhe mas ele estava de costas para ela e, como tal, sendo ela do mais
simples que pode haver, seguiu o conselho dele e caminhou até casa, sem
proferir nem mais uma palavra e sem voltar a olhar para trás. Na sua cabeça
tentava mentalizar-se de que ele iria ficar bem. Subiu as escadas até ao
segundo andar e entrou em casa, vagarosamente, pousando as chaves no chaveiro
por detrás da porta. Colocou a mala em cima do sofá, como sempre fazia e dirigiu-se
à cozinha, onde encheu um copo de água que começou a bebericar, indo-se
encostar à janela que tinha vista total de todo o panorama da rua. Lá fora,
deparou-se com Miguel, que estava encostado à parede com a carteira numa mão e
um monte de moedas noutra e contava-as com tal intensidade como se a sua vida
dependesse disso. Leonor ficou a observa-lo, na probabilidade de o amigo não o
ir buscar e ele ter ficado desamparado, talvez contando as moedas para ter
dinheiro suficiente para chamar um táxi. Mas parece que isso não correspondia à
realidade: ele voltou a colocar as moedas na carteira, visivelmente desiludido
e colocando as mãos nos bolsos, olhou para um lado e para o outro, procurando
engendrar na sua cabeça um plano de última hora que o levasse a casa. Leonor
continuava a assistir, sem saber o que fazer. A sua cabeça dizia-lhe que ele se
iria desenrascar, que iria telefonar a alguém que o pudesse ir buscar e que
iria para casa a tempo de descansar minimamente para o treino do dia seguinte;
o seu coração dizia-lhe que, embora não o conhecesse, aquela era uma boa altura
para fazer uma boa ação e convida-lo a ficar em sua casa, no caso concreto de
não ter para onde ir e não ter onde ficar. Ela fechou os olhos, procurando
encontrar um meio-termo para a sua luta interior e sem pensar duas vezes,
precipitou-se para a saída, desceu as escadas a correr e saiu para a rua onde
encontrou Miguel mesmo à sua frente.
-
Então? – Ele mostrou-se admirado com a presença da
rapariga, que estancou a cerca de três metros de si.
-
Porque é que ainda não foste para casa?
-
O João não tem carro para me vir buscar e o pai dele já está a dormir e depois
fiquei sem bateria… - Tirou o telemóvel do bolso e mostrou o seu
ecrã apagado como prova do que dizia – Até chamava um táxi mas não tenho dinheiro.
Leonor
cruzou os braços e respirou fundo, nunca pensando fazer o que estava prestes a
fazer.
-
Podes ficar aqui esta noite… - Fez uma pausa, processando o que estava a
dizer – Se quiseres, claro – Encolheu os ombros e
fitou Miguel, que teria a última palavra. Ficou aliviada porque o convite, pelo
menos, já estava feito.
-
A sério que não há problema? – Ele olhou-a, ao mesmo tempo surpreendido e
desconfiado. No entanto, não havia solução aparente para a situação que se
tinha criado naquela noite e mesmo não sendo amigo dela, aquela era a sua única
hipótese. Isso ou dormir na rua! – Bem, se é assim… Aceito!
Ela
anuiu e dentro de si sentiu que tinha cumprido o seu dever de boa samaritana.
Tinha oferecido a sua ajuda e isso era o mais importante. Ele tanto poderia ter
aceitado como recusado, ela sentir-se-ia bem consigo própria de qualquer
maneira.
***
-
E este aqui é o quarto onde vais ficar! – Leonor abriu a porta
do quarto de hóspedes, assim designado porque não era utilizado e porque servia
sempre de estadia para as visitas.
Miguel
baixou a cabeça, que quase batia no teto devido ao seu 1,86m de altura e mirou
o quarto onde passaria aquela noite: apesar de ser no sótão e, por isso, ser
baixo e pequeno, quase impossível de haver movimentações bruscas no seu
interior, era um sítio acolhedor, arrumado e convidativo, o que, de certa
forma, apaziguou o seu espírito depois daquelas últimas horas mais agitadas.
-
Não é lá grande coisa mas dá para passar umas horinhas… - Leonor encolheu os
ombros, perante a hesitação do rapaz.
-
Oh não, nada disso! É o suficiente!
Ele
entrou pé ante pé na pequena divisória, seguido por Leonor que foi de encontro
ao armário de onde tirou duas toalhas lavadas e colocou-as em cima da cadeira
que se encontrava à porta da casa de banho. Ele estancou junto a uma pequena
estante onde contemplou as fotografias que lá jaziam: uma fotografia de Leonor
com um homem alto, robusto, que só de olhar percebia-se ser um homem de
respeito e homem de família. Noutra fotografia ao lado, viam-se três crianças
pequenas que Miguel calculou tratar-se de Leonor e dos seus irmãos. Ergueu a
foto para que ela a pudesse ver e assim esclarecer a sua dúvida.
-
São os teus irmãos?
Leonor
aproximou-se dele, sempre com aquele seu ar de menina inocente.
-
São – Uma leve gargalhada da sua parte fez-se
ouvir – Às vezes nem me lembro que tenho irmãos, há
anos que não os vejo… Este é o meu irmão – Aproximou-se mais de
Miguel para conseguir apontar na fotografia – É dois anos mais
velho que eu! E esta – Apontou para a rapariga mais alta a seu lado
– É a minha irmã, cinco anos mais velha! Estão os dois emigrados em
França.
Miguel
anuiu, surpreendido com a novidade: também ele tinha familiares em França já
que era possuía dupla nacionalidade, pois a mãe é francesa de nascença.
-
E a tua mãe? – Ele apontou para a mesa, fazendo
evidência ao facto de ela não estar lá retratada.
-
Bem… Isso é um bocado complicado de explicar –
Leonor sorriu, envergonhada mas sentindo-se um pouco mais à vontade na presença
daquele “desconhecido” –
Prefiro não falar disso!
-
Ah, desculpa, não sabia…
-
Não, não… - Leonor retificou imediatamente o que
disse pois percebeu que tinha dado a ideia errada e que Miguel tinha percebido
que a sua mãe já tinha falecido – A minha mãe está ótima de saúde. Apenas
estamos numa crise desde que entrei na universidade, nada de mais. Havemos de
nos entender! – Um sorriso esperançoso iluminou o seu
rosto mas não durou muito pois ela apressou-se a sair do quarto, apenas
deixando uma última mensagem – Qualquer coisa estou lá em baixo. Fica à
vontade!
Miguel
pousou a moldura exatamente no mesmo sítio de onde a tinha tirado. Olhou para o
quarto em seu redor, apreciando cada recanto daquele sítio pacato, pequeno e
recatado que mais lhe parecia uma sauna devido ao calor que ali se acumulava.
Sentou-se à beira da cama, um pouco mais baixa que as camas normais e passou as
mãos pelos lençóis, apreciando a sua textura delicada. Fez o mesmo com as
almofadas e acabou por se deitar, aconchegado no meio das duas almofadas, com o
tronco esticado e as pernas do lado de fora. Começou a pensar no seu carro, no
carro que tanto tinha querido, que tanto tinha estimado e que agora, como de um
momento para o outro tinha perdido: talvez apenas durante umas horas ou até
mesmo para sempre, caso não houvesse arranjo possível para os estragos
causados. Pensou na mãe, com quem falava no momento do acidente e de quem já
não se tinha lembrado mais, com todo o reboliço que se criou. Provavelmente,
ela estaria preocupada mas ele já não tinha bateria no telemóvel. Voltou a sentar-se,
assumindo a sua posição inicial e depois de olhar em seu redor, à procura de um
carregador que andasse perdido miraculosamente, decidiu ir até lá abaixo e
pedir ajuda a Leonor, que certamente teria dinheiro no seu telemóvel ou então
tinha um telefone fixo de onde ele pudesse ligar. Leonor, por sua vez, já tinha
vestido a sua camisa de dormir e estava deitada em cima da sua cama, recostada
nas suas almofadas à medida que colocava creme hidratante nas suas pernas
macias e bem definidas. Foi a voz de Miguel, que chamou pelo seu nome, que a
chamou a realidade: afinal, ela dividia a casa por uma noite com aquele rapaz
que tinha acabado de conhecer.
-
Estou no quarto, podes entrar! – Projetou a sua voz e esperou que ele
desse sinal da sua presença.
Miguel
abriu a porta e espreitou para o interior do quarto, de paredes brancas –
o que lhe concedia uma maior amplitude – repleto de
molduras com fotografias espalhadas pelas paredes; no geral, um quarto muito
feminino, o típico quarto de uma rapariga que morava sozinha pela primeira vez,
longe da família e de todos aqueles de quem ela mais gostava.
-
Desculpa lá estar a interromper… - Leonor fez sinal para que ele se
sentasse na beira da cama, junto do seu computador portátil –
Queria saber se tens um carregador que dê para o meu telemóvel.
-
É um Blackberry? – Miguel anuiu e ela debruçou-se sob a sua
mesa de cabeceira, tirando de lá de dentro um carregador, que lhe passou para
as mãos – Podes ver se esse funciona, era de um
telemóvel do meu pai…
Miguel
agarrou no carregador com ambas as mãos e, ao invés de se levantar e prosseguir
caminho, deixou-se ficar ali, a observar cada recanto daquele quarto que tinha
tanto de normal como de surpreendente.
-
Estás a estudar o quê?
A
sua pergunta apanhou Leonor desprevenida.
-
Comunicação social, porquê?
-
Queres ser jornalista? – A curiosidade de Miguel deixou-a de pé
atrás pois ela não esperava aquele interesse súbito da sua parte.
-
Sim, jornalista desportiva!
Miguel
arregalou os olhos para ela, mostrando-se visivelmente admirado. No entanto, no
seu interior, aquela descoberta tinha-o maravilhado: não era algo fora do
normal as raparigas mostrarem-se interessadas por desporto mas Leonor, em
particular, que tanto desdém tinha por jogadores de futebol, querer privar com
eles durante toda a sua vida profissional era realmente uma agradável surpresa.
Isso só mostrava, no seu entender, que ela não era tão dura e tão
desinteressada como tinha aparentado ser.
No
dia seguinte
Leonor
levantou-se mais cedo que o habitual, com uma súbita vontade de preparar um bom
pequeno-almoço para ela e para o seu novo e temporário hóspede. Tomou um duche
rápido e arranjou-se devidamente para receber a visita: deixou o seu longo
cabelo secar ao natural, colocou umas leggings com padrão para puder andar mais
à vontade e uma camisola large size
de malha a condizer. Calçou umas sandálias de um tom neutro e depois de aplicar
um creme hidratante na cara para a suavizar, seguiu até à cozinha, onde começou
a preparar umas torradas.
Decidiu
fazer um sumo de laranja natural, com medo que Miguel fosse alérgico à lactose
e, aos poucos, foi colocando todos os alimentos em cima da pequena mesa onde
normalmente tomava as refeições. Olhou para o relógio pendurado em cima do frigorífico,
que marcava as 7h25 e pensou que Miguel já deveria estar a acordar, pois
lembrava-se de ele ter mencionado que teria treino de manhã bem cedo. Sentou-se,
esperando ansiosa que o visse surgir das pequenas escadas que conduziam ao sótão.
Contudo, passou-se cerca de meia hora e Miguel não deu qualquer sinal. A verdade
é que Leonor já estava a mostrar-se nervosa, algo que ela nunca esperou que
acontecesse com ela. Aquele rapaz, aparecido do nada, tinha despertado nela a
sua vontade de se pôr bonita, de tentar impressionar, de conquistar…
E ela estava nervosa, não só por ter receio de não o ter agradado no que toca à
estadia mas também porque ela tinha gostado particularmente dele. Na noite
anterior, quando foi ao seu quarto pedir o carregador para o seu telemóvel
descarregado, Miguel acabou por ficar mais tempo que o previsto, na conversa, a
discutir assuntos que Leonor teria considerado indiscutíveis: porque é que ela encarava
os jogadores de futebol como sendo aqueles monstros que ela pintava e que ela
própria se fazia crer? Porque é que ela descurava tanto a hipótese de um dia se
envolver com um? Porque é que ela achava que eles não podiam ter uma família
sem ter necessariamente de trair a mulher? Segundo Miguel, as coisas são como
as pessoas as criam. Assim sendo, na sua perspectiva, Leonor considera que um
jogador de futebol é um convencido, maniento, traidor e egoísta porque ela
própria nunca conheceu nenhum que mostrasse o contrário ou porque nunca se deu
ao trabalho de procurar conhecer algum mais profundamente, algum que
corroborasse por completo as espectativas que ela criou. Leonor, como é óbvio,
nunca vacilou na sua opinião. No entanto, só pelo empenho que Miguel mostrou em
tentar defender o seu lado, tentando mostrar-lhe que era diferente fez com que
ela decidisse fazer aquilo que ele lhe propôs: conhecê-lo melhor. E lá estava
ela, sentada no seu lugar habitual, à espera que ele descesse para tomar o
pequeno-almoço.
Coisa
que ele não fez.
Cansada
de esperar, Leonor levantou-se e subiu pé-ante-pé as escadas de acesso ao
sótão. Bateu à porta uma, duas, três vezes e nem sinal. Decidiu então entrar,
com receio de que alguma coisa tivesse acontecido. O quarto estava vazio: a
cama estava arrumada, os lençóis estavam retirados e colocados, dobrados, em
cima do forro que cobria o colchão. Leonor vasculhou cada recanto com o olhar,
à procura de um sinal, mas nada. Miguel já tinha saído, pelos vistos bem cedo. Procurou
convencer-se a si própria de que já estava à espera daquele desfecho mas não pôde
deixar de se sentir magoada com aquela atitude. Ao voltar a contemplar o quarto
com mais pormenor, deparou-se com uma carta-branca em cima do forro do colchão,
que se confundiu com o tecido por baixo. Agarrou-a e abriu-a, sentando-se na
cama para a puder ler.
“Leonor, desculpa ter saído sem avisar mas fui apanhado de
surpresa por uma chamada do meu mister. Ainda tentei dizer-te mas estavas a
dormir profundamente.
Obrigado pelo que fizeste! Sei que não me
conhecias e como tal, compreendo que não tenha sido fácil deixares-me entrar
assim em tua casa. Deixo-te aqui o meu número 917242600, para o caso de
quereres dizer-me alguma coisa.
Miguel”
Leonor
leu e releu aquela carta vezes sem conta. Olhou para o seu número umas centenas
de vezes mas nunca tomou iniciativa de o guardar pois algo lhe dizia que não deveria
proceder daquela forma. Aliás, se Miguel realmente quisesse falar com ela, ele
mesmo arranjaria maneira de o fazer. Recolheu a carta na sua mão direita e
amachucou-a, fazendo com ela um círculo perfeitamente esculpido. Foi até à
pequena casa de banho do compartimento ao lado e deitou-a pela sanita sem
sequer pensar duas vezes. Resmungou dois ou três impropérios, massacrando-se
por ter sido tão fútil ao ponto de acreditar numa amizade entre eles. Mas pensando
e repensando bem nas coisas, Miguel não era o tipo de rapaz que ela alguma vez
iria gostar: ele era bonito, alto, atlético, tudo isso mas não tinha aquela
veia querida e amorosa que ela tanto procurava e que nunca tinha encontrado. De
que vale a beleza exterior se por dentro não existe nada? Uma cara bonita não invalida
um coração vazio.
Pessoal, aqui vos deixamos mais um capítulo, esperemos que gostem.
Quanto ao próximo, não temos data prevista para o postarmos mas tentaremos ser o mais breve possíveis.
Beijinhos!
Maria e Inês
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Capítulo UM
Há
quem diga que a vida é uma montanha russa. Uma montanha russa de emoções, de
sentimentos distintos, de altos e baixos, bons e maus momentos, de pessoas que
te marcam e de pessoas que te desiludem, de recordações e memórias, de feitos e
feitios, de histórias, de conquistas… A vida de Leonor, sempre foi uma montanha
russa. Mas para ela, uma dramática de carácter, uma montanha russa prestes a
descambar. Mas, por índole da vida, que tem tanto de imprevisto como de
antevisto, a continuidade dessa dramática montanha russa era algo certo.
Leonor,
nascida há dezoito anos no hospital do Barreiro, margem sul do Tejo, vive
sozinha num apartamento alugado em Alcântara, que sustenta com a ajuda do pai,
empresário de sucesso na área dos negócios internacionais. Tal como é de
esperar, fruto de um trabalho com tanta responsabilidade e ocupação, Simão, seu
pai, não é um pai presente. E a mãe, Paula, vive num mundo paralelo, em
Montijo, cidade de onde são naturais, afastada da filha por motivos
desconhecidos: afastamento por incompatibilidade de feitios, acentuado ainda
mais pela partida da filha para Lisboa. Os pais, casados há vinte e cinco anos,
constituem o seu modelo de referência, o modelo que ela espera seguir no
futuro, o modelo que demonstra como apesar de todas as divergências, duas
pessoas que se amam podem ficar juntas e superar os obstáculos em nome de um
amor mútuo. Maior exemplo disso são os avós paternos, já veteranos nas bodas de
ouro, depois de sessenta anos de vida em conjunto. Com tantas boas referências
e tantas aspirações de finais felizes, Leonor sempre viveu num mundo mergulhado
em expectativas, sempre à procura “daquele” amor em cada
esquina mas essa busca sempre se revelou infrutífera, levando-a a rejeitar essa
velha máxima do “ o amor esconde-se em cada esquina”. Confirmando-se
esta teoria, está mais que claro que ela tem andado em círculos.
Mas,
verdade seja dita, há quem se indague de como alguém como ela poderá ser tão
infeliz no campo amoroso. Isto porque Leonor, dona de uma beleza talvez um
pouco vulgarizada mas que aos olhos de muitos é muito valorizada, consegue
cativar não só pelos seus longos cabelos castanhos, olhos exóticos penetrantes
e 1.65m bem definidos e proporcionais, mas também pela sua forma de ser, pelas
suas atitudes, pelo seu comportamento educado e conservador e pelas suas ações
recheadas de teor altruísta e bondade. Contudo, e como todas as pessoas, há
dias e dias na sua vida. Dias bons, em que todas as suas qualidades são
evidenciadas e postas em prática e dias menos bons, em que tudo isso é
encoberto e escondido por detrás de um manto transparente, em que transparece a
sua taciturnidade e indiferença perante determinadas situações e assuntos.
Março
de 2012
-
Sim, sim, foi isso que percebi… - Leonor apontava incessantemente uns
rascunhos no caderno de notas, ao mesmo tempo que segurava o telemóvel entre a
cabeça e o ombro, num esfoço enorme para que ele não caísse –
Mas lembra-te que o professor deixou bem claro que não podíamos misturar a alínea
a) com as restantes. Se o fizermos, está errado!
Falava
ao telemóvel com Sofia, uma colega de turma, com quem era habitual partilhar
dúvidas e resolver questões em vésperas de testes ou exames. Ambas estudavam na
Universidade Nova de Lisboa e ambas tinham escolhido o curso de Ciências da
Comunicação – Sofia, com o objectivo de seguir a
carreira de relações públicas; Leonor, com o intuito de se tornar jornalista
desportiva. O desporto, que, desde que ela se lembrava, tinha constituído um
importante factor de boas memórias, de diversão e de paixão por uma instituição
comum, em conjunto com tantos outras pessoas, que se deslocavam aos estádios
para vivenciar todo aquele ambiente contagiante. Quanto aos outros, não é
sabido, mas Leonor é uma apaixonada fanática pelo clube vermelho e branco da 2ª
Circular, o Sport Lisboa e Benfica e essa paixão deu azo a que, depois de
tantas profissões terem passado pela sua mente, que ela pendesse finalmente
para aquela para que atualmente estudava.
-
Pois, isso é que não sei! – Sentada de lado no sofá, de pernas
cruzadas e com um monte de livros, folhas e cadernos à sua frente, Leonor
tentou encontrar uma folha de papel que, naquele momento, era essencial para
que a dúvida que as atormentava fosse esclarecida – Espera um pouco,
não sei onde ela está… - Sem dar tempo para que Sofia
respondesse, lançou o telemóvel de encontro à pequena mesa de refeições em
madeira preta prostrada em frente ao sofá, já que aquele espaço –
a cozinha, que contava com um pequeno sofá e duas cadeiras –
era uma espécie de refúgio de estudo. Dobrando-se sobre si própria e sem nunca
descruzar as pernas, procurou naquele rebuliço, encontrar a folha que tanto
procurava, fazendo cair cadernos e livros até finalmente se apoderar dela –
Já a tenho! – Num movimento desengonçado, voltou a
encaixar o telemóvel no seu ouvido, prendendo-o com o ombro –
Hmmm… Aqui diz que Marx Hendrix declarou essa
afirmação como falsa apesar de…
-
Ali Lenderson ter dito o contrário! – Sofia completou a frase, já tão vista e
revista por elas e já tão dita e redita pelos professores nas aulas de Economia
– Como é possível termo-nos esquecido disso?
Leonor
levou a mão à cabeça, num gesto derrotista, já praticamente dominada pelo
cansaço e pela pressão que tudo aquilo exercia em si. Sentia como se todas
aquelas informações, todos os registos e novos conceitos aprendidos se
desvanecessem lentamente da sua mente, há medida que revia toda aquela matéria.
-
Isto está a dar cabo de mim! – Terminou esta sentença com um suspiro
leve mas que denotou em Sofia todo o efeito que aquilo estava a ter na sua
colega.
-
Ok, então vamos acabar com isto! A matéria não é difícil Leonor, tu é que estás
a acusar em ti toda a pressão… - Procurou tranquiliza-la, num acto de
compreensão – Olha, lembrei-me agora de uma coisa que
és capaz de gostar!
Leonor
já tinha colocado o telemóvel em altifalante, agora que a informação já não era
importante e portanto já não haveria problemas caso não ouvisse algo
corretamente. Começou a arrumar toda a papelada disposta em cima do pequeno
sofá, esperando que Sofia prosseguisse, desejando que ela lhe fosse dar um bom
motivo para sorrir.
-
Falei com a Ana, a Micaela e a Rita e amanhã vamos todas ver o jogo do
Benfica-Sporting. E tu também vens, claro!
A
ideia de ir assistir a um jogo do seu clube do coração, animou-a
momentaneamente mas essa leve animação acabou por desfazer-se quando ela se
lembrou que o dinheiro para o resto do mês já escasseava e que arriscar-se a
comprar o bilhete para esse jogo poderia sair-lhe bastante caro.
-
Pois…
Ao
aperceber-se que Leonor iria prosseguir com uma tentativa de escape ao já
combinado, Sofia interrompeu, procurando dissolve-la de um decisão precipitada,
que resultaria numa noite de solidão naquele apartamento tão vazio.
-
Nem penses, Leonor! Não aceitamos não como resposta. Além
disso, a Rita vai levar alguns amigos dela…
-
O que é que queres insinuar com isso? – Leonor estancou nas arrumações, ao compreender
que toda aquela saída poderia ser uma engendração das amigas a fingirem-se de
cupidos – Oh não, não, meninas!
-
Não é nada disso, Leonor… - Sofia tentou apazigua-la, tentar levar as
conversas para outros caminhos, para que Leonor não pusesse em causa as suas
verdadeiras intenções – Nós só achamos que é bom para ti sair e
conhecer pessoas novas, sei lá, deixares-te deixa monotonia, dessa rotina. E
não vão só rapazes, fica descansada!
-
Pela tua informação… - Depois de arrumadas as coisas bem organizadas
em cima da mesa de refeição, encaminhou-se para o quarto, onde começou a
preparar a sua mala – Eu adoro a minha rotina! E a não a trocava
por nada deste mundo.
-
Isso significa que podemos contar contigo?
Conhecendo
razoavelmente bem Sofia como Leonor pensava conhecer, sabia que ela estaria de
dedos cruzados, esperando uma resposta positiva da sua parte.
-
Ok, contem comigo! – Um grito estridente fez-se ouvir do outro
lado, resultando num sorriso acanhado por parte de Leonor –
Vejo-vos amanhã. Obrigado por me ajudares com isto! Boa-noite! –
Emitiu o som de um beijo, desligando o telemóvel de seguida, depois de uma
resposta recíproca por parte de Sofia.
No
dia seguinte, às sete da tarde
-
O teste não me correu como eu esperava pai! – Uma lágrima de
exaustão escorreu pela face corada de Leonor, enquanto ela falava com o pai via
Skype – Isto está a dar comigo em doida!
-
Oh filha! – Simão não era hábil em palavras e como tal,
não sabia o que dizer à filha, que ele sabia ser esforçada e dedicada mas
também muito fraca mentalmente, ou, pelo menos, demasiado fraca para aguentar a
pressão exercida pela Universidade – Não desesperes!
-
Estou a tentar, pai! – Ela enxugou as lágrimas com a ponta da manga
do casaco de malha castanho que tinha vestido – Desculpa estar a chatear-te com isto…
Só precisava de alguém com quem falar.
-
Então e a Micaela?
Micaela
é a melhor amiga de Leonor desde a infância e, felizmente, ambas conseguiram
entrar na mesma Universidade, apenas separadas por cursos diferentes. A verdade
é que Micaela também andava extremamente atarefada com os trabalhos e testes
que lhe eram exigidos e o tempo que sobrava para estarem juntas e conversarem
era muito raro.
-
Está exactamente na mesma situação que eu! Como é compreensível, não vejo como
duas pessoas exaustas e desesperadas se podem ajudar mutuamente.
Simão
riu-se prazerosamente, mediante a piada perspicaz da filha, que mesmo em stress não deixava de ter o seu lado
divertido.
-
Mas agora já passou esta fase, não é verdade?
Ela
anuiu, suspirando.
-
Pronto, filha, agora tens um bom tempinho para te divertires com as tuas amigas
e depois logo voltas a pensar nisso! – Ver a filha naquele estado de pânico, deixou
Simão preocupado mas sobretudo invadido por um sentimento de impotência, por
saber que ela precisava de auxílio mas que ele não tinha como a ajudar –
Daqui a uma semana já aí estou!
-
Ah, ainda bem pai! – Ela esboçou um sorriso rasgado ao pensar na
ideia de voltar a ver o pai – Isso aí na Rússia deve ser o fim do Mundo!
Simão
gargalhou, prazerosamente.
-
Ias gostar…
As
semelhanças entre ambos eram evidentes: apesar de Simão ter cabelo cor de ébano
e olhos esverdeados, a forma do olho era igual em pai e filha, assim como a
boca, fina mas delineada. As maças do rosto eram mais salientes na filha mas
ambos tinham tendência a ficar corados com facilidade. Para não mencionar que
as expressões faciais de ambos são praticamente iguais em duas ocasiões: quando
estão com muita atenção a algo e quando sorriem.
-
Quem sabe um dia… Mas por enquanto não está nos meus planos.
Simão
pegou no seu telemóvel, que tinha dado sinais de inquietação.
-
Bem filha adorava ficar a falar contigo mas tenho mesmo de atender esta
chamada! Beijos
grandes para ti, minha linda!
-
Para ti também, pai! – Ela prepara-se para esboçar um leve aceno
mas a ligação ficou interrompida num ápice.
Durante
uns instantes, Leonor ficou apática, a mirar o computador portátil à sua
frente, ou então o quadro de cortiça cheio de recordações marcantes expostos à
sua frente. Estava naqueles dias em que pouco ou nada lhe apetecia fazer,
naqueles dias em que a moleza tomava conta de si e tornava os seus dias
indefinidos, desorganizados e abstratos. Foi o vibrar do seu telemóvel que a
despertou para a realidade, obrigando-a a levantar-se da sua cadeira para
verificar a mensagem que tinha acabado de receber.
-
“Dentro de meia hora estamos aí à porta! Por favor, tenta
despachar-te a horas. Micaela”.
Ela
olhou para o armário, desejando arduamente que ele pudesse responder aos seus
requisitos e pudesse escolher uma roupa adequada para aquela noite. Mas ela
sabia que o armário ainda não podia fazer essas escolhas por ela. Encaminhou-se
até ele e abriu-o, ficando a olha-lo, tentando engendrar na sua cabeça o
conjunto perfeito, aquele que não requereria experimentações nem conjugações de
última hora. Leonor é uma grande adepta da moda, lê revistas, segue blogues
sobre moda com frequência e sabe plenamente as coisas que se usam e as que já
passaram de moda. O pior é converter isso para a sua realidade e adaptar isso
aos seus gostos. E depois, ela é daquelas pessoas que sempre acha que os outros
têm o melhor e que tudo lhes fica melhor do que a ela.
Achando
que já tinha achado o conjunto ideal, correu até à casa de banho, onde tomou um
duche rápido e, depois de aplicar o seu creme corporal por todo o corpo,
esticou o seu cabelo ondulado muito rapidamente, e aplicou uma pequena
quantidade de rímel transparente nas suas pestanas já por si só muito volumosas
e um corretor de olheiras muito compacto e leve, para que a pele não
ressentisse o contato com esses produtos que ela não apreciava. Voltou ao
quarto, onde vestiu as suas calças de ganga à boca-de-sino, agora novamente na
moda, conjugadas com uma camisola de renda cor-de-rosa de manga curta e um
blazer da mesma cor, apenas num tom um pouco diferente. O grande problema,
prendeu-se com o calçado! Leonor é magra, talvez um pouco magra para a sua altura,
na perspectiva de alguns, e ela sabia tirar vantagem dessa magreza para que as
roupas lhe assentassem bem, sem ser preciso o mínimo de esforço. Encontrou na
sua sapateira, no hall de entrada,
umas sabrinas cinzentas, no meio de todo o seu emaranhado de calçado e
calçou-as, verificando que, no conjunto, combinava muito bem. Ficou a olhar-se
ao espelho de corpo inteiro durante uns segundos, pois achava que faltava ali
alguma coisa, alguma coisa que desse um ar diferente ao conjunto, que o
tornasse mais impactante, mais vistoso. Cruzando o olhar com o bengaleiro a
escassos centímetros da sua frente, deparou-se com um lenço, também ele em tons
cor-de-rosa, com padrão tigresa e ao coloca-lo apercebeu-se de que era aquilo
que andava à procura.
Colocou
os seus pertences essenciais dentro de uma das suas únicas malas Prada (todas
elas oferecidas pelo pai) e ao verificar a casa para se certificar de que nada
seria deixado esquecido, desceu as escadas do prédio e deparou-se com o carro
de Rita, já estacionado, à sua espera.
-
Hmmm, Leonor… - Rita fez sinal a Leonor, antes que ela
pudesse abrir a porta de trás – O carro está cheio.
Ao
olhar com mais atenção para o interior da viatura, pôde comprovar aquilo que
Rita lhe acabava de dizer.
-
Calma, calma, não entres em pânico! – Leonor lançou-lhe um olhar inquisidor,
confusa com aquela situação – Estás a ver o Mini Cooper preto que está
estacionado atrás de mim? É de um amigo meu…
Leonor
olhou o carro de relance, visualizando um rapaz loiro de óculos escuros que
esperava alguma indicação.
-
Vais ter de ir ali!
Rita
processou estas palavras lentamente, pois já sabia que Leonor não iria reagir
bem à notícia. Ela baixou a cabeça, processando aquilo que a amiga acabava de
lhe dizer e depois de inspirar fundo e de lhe lançar um olhar repreendedor,
encaminhou-se, enfurecida, para o carro que a levaria até ao estádio.
-
Olá! – Ela entrou no carro e sentou-se no banco,
colocando imediatamente o cinto de segurança – Desculpa lá isto, eu
não sabia que isto ia acontecer – Procurou desculpar-se mas acima de tudo
procurou não manter contato visual com ele, talvez porque não se queria
aperceber nem interiorizar de que o rapaz com quem partilhava o carro era muito
bem aparentado.
-
Não há problema! – Ele olhou pelo espelho lateral, para se
assegurar de que poderia avançar atrás do carro de Rita. Leonor ficou
agradavelmente surpreendida com o seu tom de voz, doce e subtil mas sem
descurar o toque masculino – Sou o Miguel!
Miguel
olhou-a de socapa pelo espelho retrovisor mas Leonor teimava em manter a cabeça
virada, para evitar o contato visual que tornaria a situação ainda mais
constrangedora, visando que ela estava em carro desconhecido, com um rapaz que
ela nunca tinha visto na sua vida.
-
Sou a Leonor!
Ele
colocou os olhos na estrada, ao perceber que ela não iria procurar encara-lo,
nem que fosse para entremostrar um sorriso cordial. Assomou-lhe à cabeça que,
provavelmente, estava na presença de uma snob
antissocial, mas o jeito de ser tímido e de certa forma ingénuo da figura de
Leonor afastaram essa ideia da sua cabeça, dando lugar a uma conformação de que
o mais provável era ela não gostar de ser incomodada, muito menos por um
estranho que ela nunca visto. Compenetradíssimo na sua condução, Miguel ligou o
rádio, começando a ecoar no interior do Mini Cooper um som afro, uma canção
mexida e ritmada, que Leonor não apreciava de maneira nenhuma mas que seria
obrigada a ouvir, pois não queria incorrer na má educação.
-
Está muito frio? – Ele fez passar os dedos pelo ventilador do
ar condicionado, chamando a sua atenção.
-
Não, não – Leonor endireitou-se na cadeira do pendura,
assumindo uma postura mais direita e olhando-o pela primeira vez diretamente –
Está bom!
Continuaram
o caminho, desta vez em silêncio, um silêncio que não iria ser quebrado por
parte de nenhum deles, que não eram propriamente sociáveis em companhia de
estranhos. Leonor apoiou o cotovelo no encosto da porta e o queixo na sua mão
enquanto via passar Lisboa, aparentemente serena, linda como sempre. Miguel
ainda a olhou de soslaio algumas vezes, procurando perceber que género de
pessoa ela seria mas a sua postura tímida e recatada não deixava muito por onde
imaginar. Duvidava que alguma vez ela fosse falar com ele –
não aparentava ser do género de meter conversa – mas todo aquele
mistério deixava-o curioso. Não demoraram muito a chegar ao estádio da luz.
Assim que viu aproximar-se o estádio de todas as emoções, Leonor olhou em
frente, mostrando todo o seu perfil sem qualquer timidez aparente, com um
brilho no olhar, apaixonada por tamanha imponência, naquele que era um dos
lugares de eleição. Prendeu o olhar na estátua da águia suspensa no conjunto do
estádio mas acabou por perde-la de vista quando o carro sofreu uma ligeira
inclinação e entrou direto num túnel.
-
Onde vamos?
Miguel
parou durante uns instantes, disse umas palavras breves num francês fluente ao
homem que vigiava a cancela de acesso àquele túnel e depois de lhe ser
concedida a passagem é que ele a encarou.
-
Vamos estacionar o carro nas garagens.
-
Nas garagens? – Leonor olhou-o inquisidora, surpreendida com
a revelação.
À
sua frente, um espaço fechado de paredes de cimento começava a surgir, assim
como umas dezenas de carros estacionados num sítio que Leonor pensava ser
interdito.
-
É… - Miguel percebeu que Leonor estava surpreendida e curiosa e,
embora não fosse do seu agrado partilhar tal informação pois não queria de
maneira nenhuma que pensassem que se estava a gabar, decidiu partilhar isso com
ela, de forma a pôr um fim à sua estupefação – Eu jogo aqui, tenho
direito a estacionar aqui dentro.
Leonor
ficou ainda mais surpresa mas procurou não demonstra-lo. Procurou encontrar
alguma informação guardada no seu intelecto que lhe desse algum esclarecimento
daquilo que Miguel tinha acabado de dizer. Tinha por costume consultar os
jornais desportivos com frequência mas não se lembrava de qualquer notícia
relacionada com algum Miguel que tivesse sido contratado recentemente –
aliás, ele só poderia ter sido contratado durante o mercado de Inverno, que já
tinha passado há alguns meses – e, por isso, ficou a remoer-se, suspeita da
veracidade do que tinha acabado de saber. Ou então simplesmente pode ter
ignorado todo esse tipo de notícias, por não achar ser nada de relevante, tendo
em conta que ele não era conhecido (pelo menos Leonor nunca o tinha visto na
vida). Miguel estacionou o carro mas também ele estava perdido em pensamentos,
desejando poder saber o que ia na cabeça daquela rapariga que tinha acabado de
conhecer.
-
Eih! – Rita aproximou-se do carro, batendo
tenuemente no vidro do lado do pendura, onde Leonor estava ainda sentada, a
remexer na sua mala – Despacha-te sua pachorrenta!
Leonor
fez-lhe sinal gestual para que a amiga mantivesse a calma, enquanto procurava o
telemóvel nos recantos da sua pequena mala, quase a “rebentar pelas
costuras”. Ao encontra-lo, rodou-o na sua mão,
sorrindo para Rita e mostrando que tinha encontrado o que pretendia.
-
Não sabia onde ele estava!
Abriu
a porta do carro e pondo um pé de cada vez do lado de fora do veículo,
juntou-se ao grupo onde já estava Miguel e mais dois rapazes que ela não
conhecia, que conversavam animadamente com Micaela.
-
Vais ter de me explicar o que raio se passa aqui! – Ao aproximar-se mais
de Rita, segredou-lhe ao ouvido, ainda indignada com as revelações que lhe
foram feitas – Desde quando tens amigos que jogam no
Benfica?
Rita
limitou-se a sorrir, misteriosa e puxou Leonor pela mão, obrigando-a a assumir
um passo mais veloz de forma a conseguirem entrar no mesmo elevador do grupo.
-
A sério, sempre que quiser ver um jogo, podem contar com uma chamada minha no
vosso blackberry.
Sofia
apontou para os dois rapazes ao lado de Miguel, fazendo-lhes um ultimato.
Miguel estava de olhos postos no chão, procurando ficar alheio a toda aquela
brincadeira, da qual ele nada sabia. Assim como Leonor, também ele estava com
aquele grupo pela primeira vez e só conhecia aqueles dois rapazes, dos quais
era amigo próximo. Leonor, encostada do lado oposto do elevador percebeu isso
usando toda a sua perspicácia e, de certa forma, sentiu-se aliviada por saber
que não era a única a sentir-se fora da sua zona de conforto naquele momento.
-
Aqui o puto Miguel está a sentir-se envergonhado, cuidado com ele!
João,
um dos melhores amigos de Miguel, continuou com a animação, tentando incluir
Miguel na brincadeira, provocando-lhe e dando-lhe um encosto suave seguido de
uma palmada no peito, amortecida pelo casaco de cabedal preto que ele
envergava.
-
O Miguel veio no carro com a Leonor…
Rita
ia começar com a sua típica provocação e isso deixou Leonor nervosa, mas, para
gáudio desta última, Micaela interrompeu a tempo.
-
Olha Leonor, já agora, sabes o que é curioso? – Os restantes, que se
entretinham a conversar entre si, silenciaram-se para ouvir o que Micaela dizia
– Tu e o Miguel são do mesmo signo! E fazem anos um dia depois do
outro!
-
Peixes in the house! –
Sofia levantou o braço, mostrando toda a sua exaltação e diversão.
Leonor limitou-se a anuir perante o que
Micaela tinha acabado de dizer. Não sabia como reagir nem o que dizer mas
sentia que toda aquela situação estava a ser demasiado programada por parte das
suas amigas, que começavam a tentar fazer o característico arranjinho. As
portas do elevador abriram-se, dando uma esplêndida visão de todo aquele
majestoso estádio: já estava muito composto, apesar de as bancadas superiores
estarem muito dispersas e todo aquele cenário de vermelho e branco aqueceu-os a
todos, permitindo-lhes entrar no espírito. Previa-se uma grande noite de
futebol, uma noite de emoções fortes mas uma noite que ia acalmar Leonor e
afasta-la, nem que fosse por umas horas, do rebuliço da Universidade e da
monotonia da sua vida.
O
jogo caminhava para os minutos finais e mantinha-se empatado, apesar de ter
havido boas oportunidades para ambas as equipas. O grupo estava reunido numa
fila de cadeiras acolchoadas dos camarotes presidenciais, aos quais tinham tido
acesso porque os três rapazes jogavam no clube. Leonor estava atenta ao jogo e
não se deixou perturbar por nenhuma das conversas das suas amigas, que não
conseguiam assistir a um jogo completo sem dispersarem por todos os lados:
todos os temas possíveis e imaginários já tinham sido discutidos nas suas
discussões. Agora tinham ficado a debater sobre a situação de Ângela, outra
amiga (embora não tão próxima), que há cerca de duas semanas tinha acabado com
o namorado por descobrir que ele a tinha traído uma série de vezes com
raparigas que conhecia em discotecas.
-
Eu sempre desconfiei do Carlos! – Sofia era sempre a mais entusiasta neste
tipo de conversas já que ela adorava saber sobre a vida das outras pessoas –
E sempre disse à Ângela…
-
Eu também falei com ela sobre isso algumas vezes – Rita, que era a que
tinha mais proximidade da rapariga em questão, deu a conhecer o que sabia –
Epá, está bem que ele muitas vezes era um querido, sempre cheio de presentes e
frases utópicas mas quando ele não estava com ela era um sacana! E eu
presenciei isso muitas vezes…
-
E quando ele ia de estágio, cheguei a ouvir muitas histórias!
-
É jogador de futebol e basta…
Leonor
pronunciou esta sentença repleta de sarcasmo na voz. Procurou manter-se ímpar e
ficar indiferente àquela conversa mas quando percebeu de quem se tratava o
rapaz que estava no centro da polémica, não resistiu em insurgir-se, declarando
abertamente aquilo que achava em relação ao mundo do futebol e daqueles que
faziam parte dele. Sem redundâncias, aquilo era o que Leonor realmente achava.
E o pior é que ela não achava ser possível existirem exceções à regra, em caso
algum. As três amigas entreolharam-se, espantadas com aquela intervenção mas
sobretudo preocupadas com os pensamentos que ribombavam na cabeça de Leonor.
-
Ai Leonor… - Sofia quis pronunciar-se mas não conseguiu
dar início a uma conversação,
à procura das palavras indicadas.
à procura das palavras indicadas.
-
Sim, oh Leonor, até podes ter muita razão mas nem todos são assim! Não podes
ser tão inflexível, só te faz mal – Micaela tentou chamar a amiga à razão mas ao
perceber que Leonor teimava em demonstrar indiferença e dureza, encolheu os
ombros, voltando a trocar um olhar preocupado com Sofia e Rita –
O Miguel é muito boa pessoa!
Leonor
descolou os olhos do campo, olhando-as momentaneamente.
-
Tem cara de ser um convencido…
Leonor
manteve a sua posição implacável e isso desanimou as três raparigas, que
contavam com uma aproximação entre aqueles dois, que pareciam ter tanto em
comum mas que tão pouco se tinham conectado.
-
E ele não para de olhar para aqui! – Rita segredou ao ouvido de Leonor, dando-lhe
um encosto suave no braço, acompanhado de uma risada divertida mas pouco
conveniente para quem a recebia.
Miguel
e os dois amigos estavam sentados, cada um de cerveja na mão, umas cadeiras
acima das quatro raparigas. João e Afonso falavam animadamente, partilhando
conversas que tinham tido com aquela e a outra rapariga, macaqueando gestos e
vozes, enquanto Miguel assistia ao jogo, com a máxima atenção, com a tipicidade
de um verdadeiro apaixonado pelo desporto-rei. Algumas vezes, o seu olhar fugia
do relvado onde a ação acontecia e prendia-se no perfil de Leonor, a rapariga
misteriosa e antissocial mas que até tinha a sua piada e que tinha chamado a
sua atenção por ser recatada e discreta, duas qualidades que ele preservava
acima de tudo.
-
Ehhhh Miguel, tens de ouvir isto! – João interrompeu a compenetração do amigo,
ao falar entusiasmado e com conotação trocista – O Afonso papou esta
gaja, meu! – Arrancou, sem dó, o telemóvel Blackberry das
mãos de Afonso, que ainda tentou ripostar mas em vão.
No
ecrã, uma fotografia de uma rapariga numa pose sensual, a preto e branco,
prendeu o sentido a Miguel, que durante breves instantes a analisou,
organizando uma boa crítica para fazer ao amigo. Crítica essa que era tudo
menos positiva.
-
Ehhhh oh Afonso! O que é isto meu?
Miguel
franziu o sobrolho e voltou a fixar o olhar no relvado, atento ao jogo que se
desenrolava à sua frente. O seu comentário divertiu João, que usou isso como
mais um pretexto para gozar com Afonso, que, verdade seja dita, estava de bem
com tudo isso, até porque ele não nutria qualquer tipo de sentimento afetivo
pela rapariga em questão. Os dois amigos continuaram a comentar casos das suas
vidas pessoais, que eram mais que muitos, pois ambos consideravam-se jovens,
livres, com muita vida pela frente e como tal havia que aproveitar a vida ao
máximo, sem se apegarem demasiado a sentimentos afetuosos que mais tarde os
poderiam magoar. Já Miguel tem uma mentalidade bem diferente: é um romântico
por natureza mas a verdade é que apaixonar-se é algo bastante complicado para
ele, não só porque é bastante seletivo em relação às raparigas mas também
porque não é com facilidade que confia em qualquer uma. Não tem por hábito
aproveitar-se do seu estatuto de futebolista profissional para conseguir mais
popularidade e é por muitos considerado um antipático e antissocial, devido ao
seu carácter tímido e reservado. Toda a sua vida, desde que se lembra do
verdadeiro significado da palavra “amor” e do que isso implica, Miguel viveu
apaixonado por Mafalda, uma rapariga de Reguengos de Monsaraz, no Alentejo, que
conheceu aquando de uma estadia temporária em casa de um grande amigo, Filipe.
No entanto, e devido às idas e vindas e da instabilidade que a profissão de
futebolista acarreta, a distância acabou por ditar a separação, após três anos
de namoro e de projetos em comum. Desde então, Miguel tem vivido
tranquilamente, no seu apartamento alugado no Seixal, perto da academia do
clube que representa, sem qualquer aproximação a qualquer tipo de rapariga,
motivo pelo qual é alvo de chacota pelos amigos.
-
É puto, aquela amiga da Rita, a Leonor, é engraçada não é? –
João tentou chamar a atenção de Miguel com um encosto no braço –
É bem feitinha ela!
-
Nem penses nisso, João!
Ao
aperceber-se da malícia presente na voz do amigo, Miguel alertou-o logo numa tentativa
de dissuadi-lo da ideia que ele sabia que João estava a ter, mesmo ele não
precisando de dizer nada.
-
Porque não?
João
era dotado de uma autoestima acima do normal, talvez por ter um imenso
repertório de mulheres com quem já dormiu e como tal não tinha receio de
investir direta e fortemente assim que um novo alvo surgia, recusando-se a
acreditar que fosse sequer possível ser recusado.
-
Achas que ela tem cara disso, meu? – Miguel olhou-a de relance, fazendo o amigo
acompanhar o seu raciocínio – Só
ias criar mau ambiente. Deixa-te dessas coisas… Tens a Rita, que
está sempre disponível para ti.
Rita,
que estava mesmo ao lado de Leonor, lançou um sorriso a João, quando percebeu
que ele olhava para o grupo. Os dois tiveram, em tempos, uma história algo
conturbada mas nem por isso deixaram de ser amigos e sempre que ambos queriam,
estavam disponíveis um para o outro, não importa quantas pessoas já tivessem
passado pelo meio. A relação meio esquisita dos dois acaba por resultar porque
ambos são exatamente iguais.
-
Epá, não sei! – João assumiu uma postura mais séria (era
sempre assim quando a conversa era Rita), dando a entender que ela não era
propriamente uma brincadeira – Ela ainda se apaixona e depois aí está tudo
estragado. Ainda há uns dias estive com ela, meu! Não pode ser sempre.
O
jogo acabou com um empate. No final do jogo, já ambos os grupos que se haviam
formado para assistir ao jogo, estavam juntos e galhofavam animadamente. Apenas
Leonor estava um pouco à margem da conversa pois não se sentia bem a partilhar
informações pessoais no meio de certas pessoas que lhe eram estranhas. Acabaram
por voltar em direcção às garagens, onde os primeiros carros topo de gama
começavam a sair: alguns de diretores, outros de dirigentes, alguns até de
figuras públicas bem conhecidas… Leonor sentia-se um pouco fora da sua zona
de conforto e tudo o que queria era chegar a casa, refugiar-se no cantinho da
sua cama e aconchegar-se nos seus lençóis, de forma a interiorizar tudo o que
tinha acontecido naquela noite e ao qual ela sentia não fazer parte.
-
Leonor importas-te de ir com o Miguel outra vez? – Rita interpelou-a já
quando estavam prestes a chegar aos carros – Ele sabe onde é a
tua casa, pode levar-te à porta.
Leonor
alardeou, ressentida com o que as amigas teimavam em fazê-la passar. Não teceu
qualquer comentário, apenas lhe lançou um olhar exasperado e encaminhou-se para
o Mini Cooper preto de Miguel, onde ele já a esperava.
-
Desculpa lá Miguel – Leonor entrou no carro, sentando-se no seu
lugar e ajeitando-se delicadamente – Não percebo porque raio os teus amigos não
podem vir aqui contigo!
O
tom da sua voz subiu consideravelmente aquando da pronunciação desta última
frase e isso denotou o seu incómodo em relação à boleia que Miguel lhe estava
prestes a dar.
-
Não percebes? – Miguel ligou a ignição e colocou a
marcha-atrás, à medida que o carro começava a deslocar-se lentamente para o
lado direito, ajudado pelo volante – A Rita e o João devem ir tratar dos seus
negócios e o Afonso anda de olho na Sofia…
Leonor
abriu os olhos, em sinal de perplexidade.
-
A Sofia? Quem é o Afonso?
Depois
de o carro já estar totalmente direito e pronto a arrancar, Miguel colocou a
primeira mudança com toda a suavidade, dando início a uma marcha lenta que os
levaria para o exterior daquele imponente estádio.
-
Não é aquele mais escurinho que parece mulato. Esse é o João. O Afonso é o
outro.
A
representação dos dois rapazes surgiu na cabeça de Leonor à medida que Miguel
os ia descrevendo. Apercebeu-se logo de quem era João mas não conseguiu
reconhecer Afonso, talvez porque não lhe tivesse dado a atenção suficiente para
conseguir armazenar no seu cérebro as características que lhe eram
correspondentes.
-
Não estou a ver, não lhe prestei muita atenção! – Virou-se para
Miguel, agora mais desinibida – A Sofia também está interessada nele?
Miguel
riu-se, encolhendo os ombros. A voz suave e delicada de Leonor provocava nele
um certo divertimento mas também uma certa calma. Podia notar-se, pela forma
como ela se comportava, pela forma como se exprimia e reagia que estava perante
uma rapariga introvertida, tímida e também ela muito reservada, à sua imagem e
semelhança.
-
Isso era suposto seres tu a saberes.
-
Pois, parece que não quiseram partilhar isso comigo… - Também ela
encolheu os ombros e prendeu os olhos no vidro lateral, olhando lá para fora,
vendo passar o que circundava a 2ª Circular – Já sabem o que penso
sobre isso!
-
Ai sim? E o que é que tu pensas?
Às
suas frentes iluminou-se um semáforo vermelho, que os obrigou a parar. Miguel
olhou para ela, apesar de saber que ela não ia encara-lo. O seu cabelo caía
pelos seus ombros e estendia-se até debaixo de peito, numa ondulação elegante
sem ter de ser feito nada por isso. A sua mão esquerda jazia sobre a sua perna,
delicada e firme, tão pequena que Miguel denotava ali alguma
desproporcionalidade, apesar de não haver nada forma do normal na disposição da
mesma: os dedos acompanhavam a mesma linha – eram pequenos e
rechonchudos – e as unhas estavam perfeitamente esculpidas
e pintadas de vermelho-vivo. A sua pele era lisa, quase como se fosse
porcelana, e isso deu-lhe uma enorme vontade de lhe tocar, apenas para sentir a
suavidade da sua pele nas suas mãos ásperas.
-
Penso que elas estão a cometer um enorme erro ao envolverem-se com eles –
O seu olhar movimentou-se de encontro ao olhar de Miguel, que escutava com
atenção – Chego a achar, embora não queira ser rude,
que tudo não passa de interesse.
-
Porque é que dizes isso?
No
vidro frontal do carro ficou projetada uma cor verde, que transmitiu a Miguel o
sinal positivo para iniciar o caminho.
-
Porque outro motivo elas se envolveriam com jogadores de futebol se não o
dinheiro? Elas sabem como é complicado conciliar as coisas. É muito mediatismo,
é preciso abdicar de muita coisa em prol de alguém que certamente não faria o
mesmo por nós… - Ela fez uma pausa, respirando fundo –
Isto claro, se gostarem mesmo um do outro…- Baixou um pouco a
sua voz, transformando-a num murmúrio – O que não acho que seja o caso.
-
Bem, a falares assim até parece que já andaste com algum jogador de futebol!
Miguel
proferiu este comentário involuntariamente. A verdade é que ele não concordava
com o que Leonor tinha acabado de dizer e de certa forma magoava-o que alguém
pensasse assim, tendo em consideração que ele também era um jogador de futebol
mas que nem por isso prescindia do direito de ser feliz, de constituir família,
caso gostasse mesmo de alguém. Sabia que ela era reservada e que era bem
provável que não fosse comentar mais nada, mas o comentário que tinha acabado
de proferir surgiu quase como uma provocação, embora irrefletida.
-
Isso não interessa! – A sua resposta foi inflexível mas
rapidamente Leonor voltou atrás no seu disserto, não querendo ser indelicada –
Acho que não é preciso isso acontecer para sabermos estas coisas. Acho que não
disse nada que não seja óbvio.
-
Claro que não é óbvio! – Miguel tirou os olhos da estrada durante uns
instantes, olhando-a com censura – É como se estivesses a atribuir os
resultados de uma experiência que fizeste, provavelmente pessoal, a uma
entidade no geral, neste caso os jogadores de futebol, quando na verdade essa
experiência se dirigia apenas a um número restrito, sabendo desde o início que
em tudo o que é dito existem exceções!
Leonor
arregalou os olhos perante tal perspicácia e apesar de querer refutar o que ele
tinha dito pois também ela tinha os seus argumentos, decidiu não o fazer para
não criar mau ambiente.
-
Opiniões diferentes! – Foi tudo o que foi capaz de dizer,
recolhendo-se no seu cantinho depois de uns momentos de maior extroversão.
Seguiram
o resto do caminho em silêncio, apenas quebrado quando fosse necessário Leonor
dar instruções acerca do caminho a seguir. No rádio ecoava uma música ambiente,
num tom muito baixo, quase imperceptível. Mas como o silêncio imperava no
interior daquele pequeno veículo, aos poucos, o som da música foi assumindo
contornos mais audíveis. Já perto da interceção que dava acesso ao apartamento
de Leonor, o telemóvel de Miguel tocou e ao observar à distância que se tratava
da sua mãe decidiu atende-lo, mesmo sabendo que, caso fosse apanhado, estaria a
cometer uma infração grave.
-
Olá mãe! – Um sorriso sincero delineou-se nos seus
lábios – Como estás?
Leonor
procurou manter-se alheia à conversa e também ela procurou o seu telemóvel, de
forma a entreter-se durante uns instantes, até chegar a sua casa e poder,
finalmente, sair do sufoco em que aquele carro se tinha tornado. A mala, que
jazia aos seus pés, estava atulhada de coisas – a sua bolsa da
higiene, livros, blocos de notas, bolsas com canetas – e o telemóvel
previa-se bastante difícil de encontrar, pelo que ela teve de se agachar
momentaneamente, de forma a procurar o que queria com mais rapidez e eficácia.
Miguel, que conversava animadamente com a sua mãe, Helena, estava demasiado
distraído para aquilo que era exigido a um condutor minimamente cauteloso,
ainda mais àquelas horas da noite, numa zona tão agitada e imprevisível como
Alcântara. Quase sem dar por isso, sem qualquer aviso prévio que fizesse
prever, um carro vindo de uma rua paralela e também ele a desrespeitar as
condições mínimas de segurança, atravessou-se à frente do Mini preto sem que
desse tempo a Miguel de travar em condições. Procurou travar a fundo, largando
o telemóvel automaticamente, devido ao susto e Leonor, que ainda não tinha
encontrado o que procurava, embateu violentamente com a cabeça no porta-luvas
do veículo, completamente desprevenida de quaisquer cuidados pois nada lhe fazia
prever que aquilo iria acontecer. O Mini derrapou e acabou por parar a escassos
centímetros de um outro carro estacionado mesmo à porta do apartamento de
Leonor enquanto o automóvel causador do acidente, acelerou para bem longe, não
deixando sequer que lhe fosse tirada a matrícula. Miguel respirou fundo,
olhando para Leonor que cobria a sua cabeça com ambos os braços, ressentida com
o embate.
-
Estás bem?
Ela
limitou-se a anuir, com uma ponta de dor espelhada no rosto.
Ele
voltou a respirar fundo, aliviado por não ter havido danos maiores para além
daqueles com que ele se iria deparar, daí a reticência em sair do carro e
enfrentar os estragos. Esfregou os olhos, abatido com a situação e chateado
consigo próprio por não ter conseguido evita-la e voltou a olhar para Leonor,
dando graças no seu interior por nada de grave lhe ter acontecido.
Depois de algum tempo, aqui vos deixo o primeiro capítulo desta história! Espero que gostem!
Um grande beijinho!
Inês e Maria
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